ARTIGO

Recursos, Governança e Escopo 3:
O tripé da transição energética no ES

Os R$ 500 milhões anunciados pelo governo do ES para o Fundo de Descarbonização incentivam o mercado e podem levar Estado a posição de destaque, mas os desafios são grandes.

Por Guilherme Barbosa, ECO55


A transição para uma economia de baixo carbono já é uma realidade no Espírito Santo. É o que dizem os números apresentados na pesquisa Descarbonização e Eficiência Energética 2025, realizada pelo Observatório Findes e pelo Bandes: 56% das empresas capixabas pretendem investir em ações de descarbonização nos próximos 18 meses, enquanto outros 16% já avaliam essa possibilidade.


Confira a pesquisa completa no site da Findes (clique aqui)


Os temas prioritários para o setor produtivo ficaram bem definidos: eficiência energética (88%), uso de energias renováveis (86%) e economia circular (78%). Mas apesar do interesse, muitas empresas ainda enfrentam barreiras para colocar esses planos em prática.


Não existe empresa verde no vermelho: a pesquisa mostrou que a principal barreira para a adoção de medidas sustentáveis é o acesso a financiamento.


A pesquisa deve acelerar a finalização pelo Bandes da modelagem financeira do novo Fundo de Descarbonização do Espírito Santo, que promete R$ 500 milhões para financiar projetos de transição energética. O novo fundo, abastecido pelo Fundo Soberano do Estado, deve conduzir o banco de desenvolvimento capixaba a estruturar linhas para soluções específicas de cada setor, com taxas atrativas e prazos ajustados à realidade de projetos de descarbonização lastreados em ciência. 

Um exemplo disso é o financiamento de equipamentos para eficiência energética, que poderiam ter prazos mais longos, permitindo que a economia gerada na conta de energia ajudasse a cobrir o custo do investimento. Além disso, o fundo pode atrair mais investimentos privados, estimulando a inovação local e ampliando o impacto das ações de transição energética. Mas existem alguns desafios: 


Desafio #1: Governança

Se por um lado a criação do fundo de R$ 500 milhões é uma excelente notícia, por outro lado fica a questão: como garantir que esses recursos sejam bem aplicados e resultem em redução de emissões?

No Brasil, a falta de transparência e governança sobre investimentos climáticos ainda é um desafio. Muitos projetos de sustentabilidade acabam não sendo monitorados de forma rigorosa, o que pode levar a uma alocação ineficiente de recursos. 

Além disso, o uso destes recursos devem servir também para estimular a inovação e a resiliência das empresas frente aos riscos físicos e da própria transição ao baixo carbono, evitando para isso a destinação para tecnologias já consolidadas e que já possuem linhas de crédito bem definidas no mercado, como para equipamentos de geração própria de energia, ou para aquisição de carros elétricos de luxo, evitando que nossas divisas soberanas acabem indo para a Ásia.

O Sistema de MRV da Taxonomia Brasileira foi desenvolvido pelo ECO55 em 2024 (leia aqui).


Para evitar esse problema, será essencial que o fundo conte com metas claras e bem definidas e com um robusto sistema de mensuração, reporte e verificação (MRV) nos moldes e critérios de classificação já definidos pela Taxonomia Sustentável Brasileira, como regramento do sistema financeiro nacional quanto a dizer o que é - e o que não é - um investimento sustentável. 


Isso significa que as empresas precisarão comprovar seus resultados, seja por meio de relatórios de emissões, certificações ou auditorias, com o baixo custo de observância. 


Outro ponto essencial é a criação de um órgão ou estrutura responsável por acompanhar o desempenho do fundo e garantir que ele esteja cumprindo seus objetivos climáticos - e não brigando com o retorno financeiro.

Se bem estruturado, esse movimento pode posicionar o Espírito Santo como um polo de inovação financeira na agenda climática, fortalecendo sua economia e aumentando a competitividade das empresas locais.


Desafio #2: O Escopo 3 das indústrias capixabas

A pesquisa provou à Findes que a defesa dos interesses da indústria capixaba na agenda climática deve estar no Escopo 3: nas milhares de empresas que indiretamente compõem as emissões do carbono das grandes plantas industriais e que diretamente são os mais ameaçados de riscos climáticos.

Questionadas pelo estudo, apenas 10% das empresas capixabas disseram adotar medidas para descarbonizar suas operações logísticas - um retrato claro de que a grande maioria ainda não está preparada para lidar com as novas exigências do mercado global.


Para as indústrias e suas cadeias de suprimentos, os riscos climáticos crescerão à medida em que a consciência da população aumente, os instrumentos de regulação entrem em vigor e os eventos climáticos se tornem cada vez mais frequentes e extremos. 


A transição energética é em si uma grande oportunidade - como pode ser vista com a oferta destes R$500 milhões. Mas se a opção for o rotineiro movimento de defesa e em investimentos compensatórios em roupagem de impacto positivo, podemos não só aumentar nosso risco socioeconômico local como perder a grande chance de liderar a inovação nesta agenda.

O Diagnóstico Climático do ECO55 avalia os riscos climáticos das atividades econômicas em 8 grupos de riscos (saiba mais).


A solução: transparência, ecossistema e financiamento

A solução passa inicialmente por transparência: a premissa básica é medir as emissões, reportar publicamente e comunicar os planos para reduzir os impactos.

A partir daí, passa pela construção de parcerias entre empresas, federações, cooperativas, governo, instituições financeiras, certificadores, agentes de inovação e a academia, para desenvolver programas de desenvolvimento de todo ecossistema de negócios para além dos obsoletos sistemas de qualidade atuais, com foco na urgente descarbonização de um sistema intensivo em carbono e de difícil redução.

O fundo de R$ 500 milhões está em meio a esse desafio a ser enfrentado, mas será necessário um esforço coordenado para que as empresas consigam entender, se planejar, ter acesso aos recursos e se adaptar a tempo, com um custo que compense a recompensa.

O Espírito Santo tem a chance única de se tornar um modelo para outros estados na forma como estrutura seus investimentos em descarbonização e fomenta a inovação local. Mas para isso, é preciso ir além do financiamento e garantir que os recursos públicos e soberanos fiquem aqui e que realmente direcione o Espírito Santo em direção a uma economia de baixo carbono.

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Publicado em 28 de março de 2025.

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Guilherme Barbosa Guilherme Barbosa
ESCRITO POR

Guilherme Barbosa

Guilherme Barbosa é CEO e fundador do ECO55, uma startup de conteúdo & tecnologia climática que se tornou o primeiro rating climático empresarial do Brasil.

Pai de duas filhas, dedica sua carreira a construir pontes entre o setor empresarial e a agenda climática, sempre focado em viabilizar uma transição econômica justa.